Pouco antes de sua morte em 2019, Ruth de Souza expressou um desejo direto: queria que Lázaro Ramos escrevesse sua autobiografia. A solicitação foi feita após ela receber o convite de uma editora para contar sua história em livro. De imediato, o ator, diretor e produtor aceitou o desafio.
“Dona Ruth, vamos fazer o seguinte: vou ser seu ghost writer. Venho para cá aos domingos, e a senhora me conta a sua vida”.
A partir daí, os dois passaram a se encontrar semanalmente. Lázaro a visitava aos domingos, ouvindo relatos que percorriam desde a infância até os marcos profissionais. Entretanto, antes que o projeto fosse concluído, a atriz faleceu.
Ainda assim, o artista deu continuidade à obra, aprofundando-se em pesquisas e ouvindo pessoas que conviveram com ela.
Estrutura e narrativa do livro
Intitulada A Rainha da Rua Paissandu, a obra será lançada pela editora Intrínseca e chega às livrarias dia 02 de setembro. Após uma introdução escrita por Lázaro, o livro assume o formato de narrativa em primeira pessoa, como se a própria Ruth contasse sua trajetória.
A publicação se constrói a partir das memórias compartilhadas por ela durante os encontros com o autor. Um dos trechos mais marcantes revela um episódio vivido ainda na infância, quando um livro escolar descrevia o cérebro do negro como “atrofiado”. Em seu depoimento, Ruth relembra:
“Eu sempre quero fazer melhor. Foi assim por toda a vida. Eu acho que foi desde a escola, a primeira escola que eu frequentei quando vim do interior. Tinha um livro de leitura de criança, e cada aluno devia levantar e ler alguma coisa. Esse livro tinha três imagens. Uma de um negro com a cabeça pontuda, outra de um branco e outra de um índio. Lá dizia que o cérebro do negro é atrofiado”, e prosseguiu:
“Eu comecei a chorar. Minha professora mudou logo de assunto, de leitura. Acontece que as crianças… As crianças são terríveis. Disseram cada coisa… Passei a sempre querer tirar dez, para provar que não tinha o cérebro atrofiado. Desde aquele dia, eu quero sempre tirar dez em tudo. Acho que nunca estou satisfeita. Nunca. Nunca. Nunca”.
Participação de Lázaro também no aspecto visual
Além da escrita e curadoria editorial, Lázaro também se envolveu diretamente no desenvolvimento da identidade visual do livro. A capa foi concebida com base nas conversas com Dona Ruth, buscando representar sua essência artística e trajetória de superação. A arte foi ilustrada por Fernanda Rodrigues e teve design assinado por Giulia Fagundes.
Reflexões sobre racismo e superação
Mais do que uma simples biografia, o livro lança luz sobre reflexões profundas acerca do racismo estrutural enfrentado por Ruth de Souza ao longo de sua carreira. A narrativa propõe uma releitura de momentos históricos, abordando o impacto da representatividade negra no teatro, na televisão e no cinema brasileiros.
O autor ressalta, em publicação feita nas redes sociais: “Dona Ruth é uma grande referência em minha vida e me convocou a escrever junto com ela a sua autobiografia. Ela partiu antes de ver esse livro pronto, mas seguimos aqui com todo amor e respeito pra que sua história siga inspirando”.
Lançamento e expectativa
A obra já está em pré-venda e será distribuída nacionalmente pela Intrínseca. O título presta homenagem à Rua Paissandu, endereço histórico da atriz, e traduz em palavras o legado de uma das figuras mais relevantes da cultura brasileira. A estreia do livro reforça a importância de manter viva a memória de Ruth de Souza, sobretudo por meio de registros construídos com sensibilidade e compromisso.
