A obrigatoriedade do reconhecimento facial em estádios brasileiros com capacidade superior a 20 mil torcedores tem gerado forte debate jurídico e social. Um estudo conduzido pelo Observatório Social do Futebol, da Uerj, em parceria com o Panóptico (CESeC), aponta que a medida pode ferir tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), principalmente no tratamento de dados de menores de idade.
A socióloga Raquel Sousa, uma das autoras da pesquisa, critica o cadastramento facial de crianças, destacando que elas não têm plena consciência do impacto de fornecer dados sensíveis. Segundo ela, há casos de clubes que registram a biometria de crianças com menos de dois anos. A situação é agravada pelo fato de que, conforme a Lei Geral do Esporte, o cadastramento pode ser feito a partir dos 16 anos, idade que ainda não representa a maioridade legal.
O estudo também questiona a transparência no uso das informações coletadas. Embora as empresas aleguem que os usuários consentem ao aceitar os termos, a prática não garante que o torcedor esteja de fato informado. Em alguns casos, até três empresas distintas controlam diferentes partes do processo — venda de ingressos, acesso nas catracas e cadastro biométrico — o que fragiliza a segurança dos dados.
Outro ponto abordado é o risco de vigilância constante nos estádios. Os dados são armazenados em sistemas que, segundo os pesquisadores, podem ser utilizados para fins mercadológicos ou até compartilhados sem critérios claros. “Queremos que os dados sejam usados exclusivamente para entrada nos jogos, com regras claras e acesso restrito”, declarou Raquel Sousa.
Entre as propostas sugeridas pelos especialistas estão a proibição do reconhecimento facial para menores de 18 anos, revisão da legislação esportiva, e adoção de princípios da LGPD como minimização de dados e exclusão após o uso. A ausência dessas garantias levanta preocupações sobre uma possível elitização no acesso aos estádios, uma vez que nem todos conseguem realizar o cadastro facial.
Por fim, o relatório destaca que a implementação da tecnologia não tem sido padronizada entre os estádios. Enquanto alguns, como o Allianz Parque e a Arena Pantanal, já operam 100% com reconhecimento facial, outros ainda enfrentam dificuldades técnicas ou não iniciaram o processo. Essa disparidade acentua a urgência de regulamentações mais rígidas e claras a fim de proteger os direitos dos torcedores, sobretudo os mais jovens.